Em: Direito Público
É fato que o entendimento esposado pelo Colendo Superior Tribunal de Justiça acerca de verba indevidamente paga a servidor público de boa-fé, por erro operacional ou má aplicação da lei por parte da Administração, não são passíveis de serem restituídas (AgRg no REsp 1447354/PE; AgRg no REsp 1385492/PE).
Tal premissa se pauta na falsa expectativa criada no servidor público que, ao receber tais valores os têm por legais e definitivos, firmando compromissos com respaldo na pecúnia percebida.
Contudo, o mesmo não se aplica quando os valores forem depositados em conta de servidor falecido. Este foi o entendimento exarado no AgRg no REsp. nº 1.387.971-DF, de relatoria do e. Ministro Mauro Campbell Marques.
Na ocasião, o ilustre Ministro retificou seu entendimento inicialmente firmado, em razão de que, em decorrência do falecimento do servidor, a verba em questão perderia seu caráter alimentar, passando para a realidade do direito sucessório, em específico, do princípio da saisine[1].
Assim, operando-se a transferência imediata da titularidade da conta do de cujus aos herdeiros, os valores nela depositados por erro administrativo não teriam mais qualquer caráter alimentar.
Nessa esteira, os valores seriam considerados meramente patrimoniais, razão pela qual, se impõe aos herdeiros o dever de restituição, sob pena de incorrerem em enriquecimento sem causa, conforme se extrai da ementa ora colacionada:
“DIREITO ADMINISTRATIVO. RESTITUIÇÃO À ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA DE PROVENTOS DEPOSITADOS A SERVIDOR PÚBLICO FALECIDO.
Os herdeiros devem restituir os proventos que, por erro operacional da Administração Pública, continuaram sendo depositados em conta de servidor público após o seu falecimento. Dispõe o art. 884 do CC que "Aquele que, sem justa causa, se enriquecer a custa de outrem, será obrigado a restituir o indevidamente auferido, feita a atualização dos valores monetários", sob pena de enriquecimento ilícito. De mais a mais, em se tratando de verbas alimentares percebidas por servidores públicos, ou dependentes, o princípio da boa-fé objetiva sempre foi a pedra de toque na análise do tema pelo STJ, o qual, em seu viés cidadão, não se atém meramente ao plano normativo ao distribuir a Justiça. Diante disso, veja-se que as verbas alimentares percebidas por servidores de boa-fé não podem ser repetidas quando havidas por errônea interpretação de lei pela Administração Pública, em razão da falsa expectativa criada no servidor de que os valores recebidos são legais e definitivos (REsp 1.244.182-PB, Primeira Seção, DJe 19/10/2012, julgado no regime dos recursos repetitivos), o que decorre, em certo grau, pela presunção de validade e de legitimidade do ato administrativo que ordenou a despesa. No caso, de fato, a Administração Pública não deu a merecida atenção à informada morte do servidor (erro) e continuou efetuando depósitos de aposentadoria (verba alimentar) na conta que pertencia a ele, os quais foram levantados pelos herdeiros (de boa-fé) sub-rogados nos direitos do servidor. Assim, levando-se em consideração a realidade do direito sucessório e, em especial, o princípio da saisine, tem-se que, com a transferência imediata da titularidade da conta do falecido aos herdeiros, os valores nela depositados (por erro) não teriam mais qualquer destinação alimentar. Logo, por não se estar diante de verbas de natureza alimentar, é dispensada a análise da boa-fé dos herdeiros, o que afasta, por analogia, a aplicação do precedente anteriormente citado, que excepciona o dever de restituição dos valores indevidamente auferidos (art. 884 do CC). AgRg no REsp 1.387.971-DF, Rel. Min. Mauro Campbell Marques, julgado em 15/3/2016, DJe 21/3/2016.”
Diante desse recente posicionamento, abre-se enorme precedente para interposição de recursos por parte da Administração no sentido de ver restituído aos cofres públicos, valores indevidamente pagos em razão de erro administrativo, tanto operacional quanto de interpretação normativa.
Por:
RICARDO SARDELLA
MARCOS ANTONIO GABAN MONTEIRO
[1] Instituto presente no artigo 1.784 do Código Civil, pelo qual opera-se de imediato a transferência dos direitos do falecido aos seus herdeiros: “Art. 1.784. Aberta a sucessão, a herança transmite-se, desde logo, aos herdeiros legítimos e testamentários.”