Em: Direito Público
Guillermo Glassman e Ewerton Pereira
A jurisprudência do Tribunal de Contas do Estado de São Paulo tem sido dura quanto aos critérios de identificação da chamada aglutinação de objeto. A chamada aglutinação seria irregular por reunir num mesmo objeto de contratação produtos ou serviços sem similaridade. Não havendo semelhança entre os produtos ou serviços licitados, interessados que fornecessem apenas um ou alguns deles estariam afastados do certame, com a consequente redução de competitividade e, eventualmente, majoração do preço de contratação.
Entretanto, essa regra geral, que aponta a irregularidade da reunião de produtos ou serviços não similares num mesmo objeto de licitação, não deve ser vista como absoluta. Há casos em que a reunião de produtos ou serviços assim realizada é a única maneira de garantir o adequado atendimento do interesse público tutelado na espécie. Além disso, há casos em que uma reunião dessa espécie não afeta a competitividade do certame. Neste artigo trataremos especificamente da reunião de serviços de manutenção e revitalização de parques, praças e áreas de lazer e de serviços de engenharia a serem realizados nesses mesmos locais.
A primeira questão a ser observada para a verificação da regularidade da reunião de itens num mesmo objeto são as práticas de mercado. Empresas que prestam serviços de manutenção e revitalização de parques, praças e áreas de lazer são, via de regra, empresas de engenharia.
Por este simples motivo, não se pode falar em restritividade na reunião de serviços de manutenção e revitalização de parques, praças e áreas de lazer e serviços de engenharia (como pequenos reparos de infraestrutura). É simples: os players do mercado estão habilitados a realizar os dois tipos de serviço e, por isso, não há afastamento indevido de qualquer interessado.
Agora, vejamos se, para além dessa questão, há infringência aos ditames da Lei Federal n° 8.666/93.
É necessário observar, quanto isso, que dos diversos princípios consagrados pelo ordenamento, e pela Lei Federal n° 8.666/93, quanto à matéria em destaque, dois se destacam: o princípio da economicidade e o da ampla competitividade. Veja-se que esses dois princípios encontram-se em colisão no caso concreto, para utilizarmos a técnica de ponderação proposta por Alexy.
Ora, o legislador ordinário, na redação original da Lei Federal n° 8.666/93, estabeleceu, no § 1°, art. 8°, que os serviços contratados pela Administração serão divididos em tantas parcelas quantas se comprovem economicamente viáveis. Observe-se que a mesma menção existe quanto às compras, conforme art. 15, inc. IV.
Não obstante, o mesmo legislador ordinário, posteriormente, suprimiu a previsão constante do então § 1°, art. 8°, mas manteve aquela do art. 15, inc. IV. Isso, considerado o peso formal da discricionariedade legislativa na matéria, já parece indicar que a divisão de serviços para licitações autônomas deve ser mais criteriosa que a divisão de objeto para o caso de aquisição de mercadorias.
Isto se dá porque os serviços gozam de peculiaridades que, em muitos casos, podem indicar a necessidade de agrupamento de serviços de natureza aparentemente distinta num mesmo objeto. E isto de forma plenamente regular, em cumprimento ao ordenamento posto.
Com efeito, um dos principais aspectos a ser considerado é o geográfico e do ganho de escala por concentração de serviços. Com efeito, todos os serviços relativos à manutenção e revitalização de parques, praças e áreas de lazer e serviços de engenharia exigem uma estrutura administrativa (responsáveis técnicos, analistas contábeis e financeiros, segurança do trabalho etc.) para sua implementação. Além disso, todos os serviços devem ser realizados nos mesmos locais.
A divisão do objeto então licitado implicaria, sem dúvida, uma ampliação do preço cobrado da Administração, quando considerados todos os serviços em conjunto. A licitação por meio de um único objeto possibilita, neste caso, a redução da equipe administrativa responsável pelo empreendimento e, assim, e redução do preço globalmente considerado. Além disso, evita-se o custo de realização de novo processo administrativo licitatório, com todos os custos a ele relacionados.
Portanto, ao que tudo indica, o opção da Administração pela reunião dos serviços de manutenção e conservação e de engenharia num mesmo objeto apenas prestigia, neste caso, o interesse público, inclusive o interesse público secundário, qual seja, o de contratação de um mesmo grupo de serviços pelo menor preço possível.
Ou seja, na ponderação a ser realizada entre o princípio da economicidade e o princípio da ampla competitividade, diante das circunstâncias fáticas e jurídicas do caso concreto, a única solução correta para a modelagem contratual a ser adotada é a reunião desses serviços (aparentemente sem similaridade) num mesmo objeto. E, ainda que não haja convencimento pleno disto, o certo é que a opção do Administrador no sentido da reunião de serviços encontra-se, como mínimo, na zona cinzenta da discricionariedade que lhe é própria e, tratando-se de mérito, não deve ser reformado, seja pelo Judiciário, seja pelo Tribunal de Contas. Trata-se de decisão legítima.
Ainda, outra questão se coloca. Ora, existe certo conflito entre conservação e manutenção de parque e a realização de serviços de engenharia. A experiência demonstra que os serviços de engenharia são do tipo que mais causa transtornos ao espaço vizinho (externalidades negativas). Ou seja, os serviços de engenharia geram uma demanda especial por conservação e manutenção.
A contratação desses serviços em separado dos serviços de manutenção e conservação representaria um importante a incentivo a que a empresa responsável pelos serviços de engenharia produza mais externalidades negativas, já que a solução dos problemas causados por sua atividade não seria de sua responsabilidade e sim da empresa responsável pela manutenção e conservação do local.
Ora, uma contração em separado poderia, inclusive, gerar o direito a reequilíbrio econômico-financeiro em favor da empresa responsável pela manutenção e conservação dos parques e áreas de lazer. Com efeito, é evidente que quem apresenta preço para prestar serviços de manutenção e conservação não pode imaginar que durante a vigência de seu contrato seriam realizados serviços de engenharia nos locais em que estarão suas equipes. E esses serviços demandarão uma intensificação dos trabalhos, com um corespondente crescimento de custos. Estão, portanto, presentes os fundamentos do reequilíbrio.
Além disso, um outro conflito se dá pela impossibilidade, por vezes, da realização simultânea da manutenção e conservação e de serviços de engenharia. Por exemplo, quem conserva realiza serviço de limpeza e, logo em seguida, ingressam máquinas para execução de serviços de engenharia que sujam o parque. Não faria o menor sentido, não é verdade? A forma mais adequada de evitar o rompimento da ordem adequada na prestação de serviços (no exemplo, primeiro a realização de serviços de engenharia e apenas em seguida dos serviços de limpeza, evitando retrabalho) é, no caso ora analisado, a licitação conjunta, reunindo os serviços num mesmo objeto.
Portanto, ao contrário de tratar-se de aglutinação indevida de serviço, a reunião dos serviços de manutenção e revitalização de parques, praças e áreas de lazer e serviços de engenharia trata-se da única modelagem que garante a obtenção de um menor preço global, além de evitar o resserviço e, portanto, o desperdício de dinheiro público. Não há outra saída jurídica senão o reconhecimento da regularidade de contratações dessa espécie.