ARTIGO:AGOSTO/2017

Cotas Raciais em Concursos Públicos: Reserva obrigatória de vagas para a Administração Federal define parâmetros para Estados e Municípios

Em: Direito Público

Guillermo Glassman

 

No último dia 11 de maio, o Supremo Tribunal Federal iniciou o julgamento da Ação de Declaração de Constitucionalidade n° 41. Proposta pela Ordem dos Advogados do Brasil, a ADC levou à apreciação do STF a Lei Federal n° 12.990/2014.

A Lei n° 12.990/14 criou reserva aos negros de 20% (vinte por cento) das vagas oferecidas nos concursos públicos para provimento de cargos efetivos e empregos públicos no âmbito da Administração Pública Federal, das autarquias, fundações públicas, das empresas públicas e das sociedades de economia mista controladas pela União.

Conforme disposto na Lei, poderão concorrer às vagas reservadas a candidatos negros aqueles que se autodeclarem pretos ou pardos no ato da inscrição no concurso público, conforme o quesito de cor ou raça utilizado pelo IBGE. Na hipótese de constatação de declaração falsa, o candidato será eliminado do concurso e, se houver sido nomeado, ficará sujeito à anulação da sua admissão ao serviço ou emprego público, após procedimento administrativo em que lhe sejam assegurados o contraditório e a ampla defesa, sem prejuízo de outras sanções cabíveis.

A Ação foi proposta tendo em vista a existência de decisões judiciais contraditórias quanto à matéria, especialmente quanto ao critério de autodeclaração daqueles que prestam concurso para as vagas reservadas.

Em sustentação oral em Plenário, a OAB lembrou que a Lei representa a vontade popular manifestada pelos representantes do povo legitimamente eleitos, tendo gozado de ampla maioria dos votos. Além disso, na ADPF n° 186, de relatoria do Min. Lewandowski, que questionou atos administrativos da Universidade de Brasília que instituíram o programa de cotas raciais para ingresso naquela Universidade, o STF estabeleceu precedente pela constitucionalidade da chamada discriminação reversa, tendo em vista a superação de um estado inconstitucional de mera igualdade formal.

Três são as questões polêmicas relacionadas Lei Federal n° 12.990/2014: i) violação ao princípio da igualdade; ii) violação ao princípio da eficiência e; iii) violação à proporcionalidade. As três questões foram analisada, para além do caso concreto objeto da Ação, na ADPF n° 186, ocasião em que o STF apontou a constitucionalidade de discriminações positivas dessa espécie.

Não obstante, poder-se-ia questionar se essa análise em abstrato poderia ser aplicada aos casos de concurso público. Com efeito, alguns aspectos diferenciam os concursos para acesso a cargos públicos dos vestibulares para acesso às universidades públicas.

O primeiro deles é que a educação é um direito fundamental, enquanto acesso a cargo público não poderia ser considerado um direito fundamental. Por outro lado, os valores que devem ser considerados quando do ingresso em cargo público são distintos daqueles prestigiados quando do ingresso em Universidades: no primeiro caso, estaria tutelado o interesse na melhor prestação do serviço público; no segundo, o interesse individual no acesso à educação. Uma terceira problemática estaria na cumulação de benefícios: cotas para ingresso nas Universidades Públicas e, além disso, cotas no acesso a cargos públicos.

Além disso, a ADPF n° 186 e a ADC n° 41 divergem num ponto fundamental. No caso da ADPF n° 186, o que se analisava eram cotas raciais criadas por ato interno de Universidade Pública, ou seja, por ato administrativo. Já no caso da ADC n° 41 o que se analisa é a constitucionalidade de discriminação positiva criada por Lei. Isso cria, no último caso, uma legitimidade mais significativa. Por isso, como bem pontuado pelo Min. Relator, para que houvesse declaração de inconstitucionalidade pelo STF deveria haver motivos graves que a fundamentassem.

Em seu voto, o Min. Relator indicou inexistir violação à igualdade no caso, apesar da evidente discriminação (positiva) entre candidatos. Ocorre que o princípio da desigualdade possui três dimensões, uma formal, uma material e uma por reconhecimento (no sentido de reparação histórica). Considerados os três aspectos, especialmente considerando a sub-representação dos negros nos cargos de destaque da Administração Pública, o estabelecimento de reserva de vagas em concursos públicos não viola o princípio da igualdade.

Para o Relator, a eficiência estaria protegida porque os cotitas estão submetidos à obrigação de realização de concurso. Por isso, apenas aqueles aprovados poderão ser convocados para preenchimento de vagas reservadas. Surgem, apenas, dois grupos de competição distintos, uma para cotitas e um para não cotistas.

Quanto à proporcionalidade da reserva cumulada de vagas nas Universidades e vagas em concursos públicos, o voto do Relator pontuou que nem todos os concursos são destinados a candidatos com ensino superior. Além disso, o percentual de 20% na reserva de vagas em concursos públicos seria razoável, uma vez que representa menos da metade do percentual de negros na população brasileira.

Quanto à autodeclaração, o voto que conduziu o Acórdão pontuou que este seria o único critério que respeitaria a dignidade dos postulantes nos concursos. O critério, contudo, admitiria controle, em casos extremos.

Diante de tais argumentos, o Relator votou pela procedência da Ação e, por isso, pela constitucionalidade da Lei Federal n° 12.990/2014. Votaram também pela procedência da ação os ministros Alexandre de Moraes, Edson Fachin, Rosa Weber e Luiz Fux.

O julgamento, ainda não finalizado, é importantíssimo para a definição dos parâmetros de regularidades dos editais de concurso público em âmbito federal. Não obstante, estabelece modelo que deve ser respeitado também por Estados, Distrito Federal e Municípios caso os respectivos Legislativos criem, também, reserva de vagas para negros, nos moldes da legislação federal. Inclusive, a repercussão de constitucionalidade da reserva de cotas em concursos públicos para outros Entes da Federação foi expressamente mencionada em Plenário, tendo sido colocado em questão o caráter nacional da Lei n° 12.990/2014 (isto é, sua aplicabilidade direta a Estados, Distrito Federal e Municípios). Por essas razões a retomada do julgamento pelo STF deve ser acompanhada atentamente.


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