Em: Direito Público
Assunto: O possível deferimento de licença para tratar de assuntos particulares é condicionado ao interesse da administração.
Em recente decisão prolatada nos autos do Processo nº: 0002766-54.2007.4.01.3803, o Tribunal Federal da Primeira Região deu provimento ao recurso interposto pela Universidade Federal de Uberlândia, a fim de denegar a segurança anteriormente concedida pelo Juízo Federal da 1ª Vara da Subseção Judiciária de Uberlândia/MG, no sentido de conceder à servidora licença sem remuneração para trato de interesses particulares.
Nos autos, discutiu-se o direito líquido e certo da impetrante, servidora da Universidade Federal de Uberlândia, à concessão da referida licença de modo a possibilitar o acompanhamento de seu cônjuge, empregado celetista de empresa privada na cidade de São João Nepomuceno/MG.
O Eminente relator destacou que a matéria está regulamentada no artigo 91 da Lei nº 8.112/90, o qual estabelece:
“Art. 91. A critério da Administração, poderão ser concedidas ao servidor ocupante de cargo efetivo, desde que não esteja em estágio probatório, licenças para o trato de assuntos particulares pelo prazo de até três anos consecutivos, sem remuneração.
Parágrafo único. A licença poderá ser interrompida, a qualquer tempo, a pedido do servidor ou no interesse do serviço.”
Assim, o artigo ora colacionado, ao disciplinar a concessão de licença para o trato de assuntos particulares, estipulou um ato discricionário da Administração Pública, possibilitando, por meio dos critérios de conveniência e de oportunidade, o deferimento ou não do requerimento dos servidores.
Nessa esteira, manifestou-se no sentido de que, havendo risco de prejuízos às atividades planejadas para serem desempenhadas no órgão, não estaria presente o interesse da Administração exigido pela norma de regência.
A licença para tratar de assuntos particulares não configura um direito incondicionado do servidor, devendo ser concedida ou não a critério da Administração, a qual avaliará a conveniência e adequação do requerimento de licença que lhe foi submetido.
Ainda, sobre a alegação de que a negativa da concessão de licença ocasionaria a “desagregação familiar”, o magistrado entendeu que, embora a preservação da unidade familiar possua proteção do artigo 226 da Constituição Federal, o interesse da servidora em licenciar-se para possibilitar tal preservação é secundário em relação ao interesse público, mormente porque o fator desagregador não decorreu de ato da Administração.
Deve, pois, prevalecer o interesse da Administração, quando esta não puder disponibilizar de servidor em razão de ausência de contingente.
Conclui que, não caberia ao poder público suportar o ônus de atender aos interesses individuais em prejuízo ao regular andamento do serviço, o que desatenderia ao interesse público.
Logo, não há que se falar em ato ilegal ou arbitrário, a ser corrigido pela via específica do mandado de segurança, vez que tal decisão (negativa de licença) está albergada na esfera de discricionariedade da autoridade competente, em atendimento aos critérios de conveniência e oportunidade.
O Colegiado acompanhou o voto do relator, restando o acórdão assim ementado, verbis:
“ADMINISTRATIVO. CONSTITUCIONAL. SERVIDOR PÚBLICO. LICENÇA PARA TRATO DE INTERESSES PARTICULARES. ART. 91 DA LEI N. 8.112/90. ATO DISCRICIONÁRIO. AUSÊNCIA DE INTERESSE PÚBLICO. CONFLITO COM A PRESERVAÇÃO DA UNIDADE FAMILIAR. ART. 226 DA CF/88. DESAGREGAÇÃO FAMILIAR DECORRENTE DE OPÇÃO DOS CÔNJUGES. INEXISTÊNCIA DE DIREITO LÍQUIDO E CERTO.
1. A licença para tratar de assuntos particulares não configura um direito incondicionado do servidor, pois, conforme previsto no caput do art. 91 da Lei 8.112/90, tal licença será concedida ou não a critério da Administração, a qual avaliará a conveniência e adequação do requerimento de licença que lhe foi submetido, eis que trata-se de ato discricionário.
2. Hipótese em que a impetrante era servidora da Universidade Federal de Uberlândia desde 1997, desempenhando, quando da impetração do writ, a função de enfermeira, lotada na unidade de berçário e UTI neonatal do Hospital de Clínicas de Uberlândia, vindo a contrair matrimônio em 27/01/2007, razão pela qual fez o requerimento de licença para trato de interesses particulares, o que restou indeferido “por falta de pessoal para garantir a assistência de enfermagem aos pacientes” recém-nascidos e por causar prejuízo às atividades planejadas para serem desempenhadas no órgão, tendo em vista a ausência de política de substituição nas hipóteses de aposentadorias, óbitos, exonerações e pedidos de licença.
3. Considerando que o marido da impetrante possuía contrato de trabalho firmado com empresa privada na cidade de São João Nepomuceno/MG desde 03/11/2003, ou seja, mais de 4 (quatro) anos antes da data do casamento, é forçoso concluir que a desagregação familiar é decorrente de ato livre, consciente e espontâneo da unidade familiar da impetrante, que, mesmo sabendo que as localidades dos seus respectivos lugares de trabalho eram diferentes, optaram pela constituição da família.
4. Embora a preservação da unidade familiar possua proteção do art. 226 da CF/88, o interesse da servidora em licenciar-se para possibilitar tal preservação é secundário em relação ao interesse público, mormente porque o fator desagregador não decorreu de ato da Administração Pública. No caso em exame, prevalece o interesse da Administração, que não pode, nesse caso, disponibilizar de servidor enquanto padece da falta de contingente para o exercício das funções por ela desempenhadas no hospital universitário.
5. Em situações nas quais se verifica o conflito entre a preservação da unidade familiar (cônjuges) e o interesse público no regular funcionamento do berçário e UTI neonatal do Hospital Universitário de Uberlândia/MG, bem assim o direito à vida dos recém-nascidos internados em unidade de terapia intensiva, deve prevalecer, indubitavelmente, o interesse da sociedade, também representado pelo direito à vida dos recém-nascidos.
6. O hospital universitário, no caso em tela, não trouxe desagregação da unidade familiar, sendo esta decorrente da voluntária opção dos cônjuges, não cabendo, portanto, à unidade hospitalar suportar o ônus de atender aos interesses individuais em prejuízo ao regular andamento do serviço, desatendendo ao interesse público, de forma que não se caracteriza a negativa de concessão da licença como ato ilegal ou arbitrário, a ser corrigido pela via específica do mandado de segurança, estando tal decisão albergada na esfera de discricionariedade da autoridade apontada como coatora, em atendimento aos critérios de conveniência e oportunidade da Administração.
7. Apelação e remessa oficial providas. Segurança denegada.”
Por:
RICARDO SARDELLA DE CARVALHO
MARCOS ANTONIO GABAN MONTEIRO